EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO VEÍCULO LOCADO – DEMANDA AJUIZADA POR EMPRESA LOCADORA DO SERVIÇO OBJETIVANDO RECEBIMENTO POR LUCROS CESSANTES – PREJUÍZO PELO TEMPO EM QUE O BEM ESTEVE PARADO PARA O RESPECTIVO CONSERTO - AUSÊNCIA DE PROVAS – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL - INDENIZAÇÃO NÃO CONCEDIDA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – COMPENSAÇÃO QUE SE FAZ DEVIDA (SÚMULA 306/STJ) – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. "Não havendo prova apta e segura da ocorrência concreta de prejuízo, não faz jus empresa locadora de veículos aos lucros cessantes decorrentes do período em que o veículo deixou de ser locado. Mera probabilidade não traduz a segurança necessária para configuração dos lucros cessantes [...]." (TJRS, AC n. 70002557569, Décima Quinta Câmara Cível, rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel, j. em 15.10.03).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.006699-2, da comarca de Rio Negrinho (Vara Única), em que é apelante JL Rent a Car Locadora de Veículos Ltda, e apelado Município de Rio Negrinho:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por JL Rent a Car Locadora de Veículos Ltda contra sentença proferida pela douta togada monocrática que, nos autos de ação de indenização por danos materiais, movida pela apelante em face do município de Rio Negrinho e Antonio José da Silva, julgou parcialmente procedente o pedido contido na exordial, para condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de R$ 3.439,33 referentes aos danos emergentes suportados pela parte autora, valor este a ser corrigido a partir do respectivo desembolso, mais juros legais a contar da citação. Por fim, em razão da sucumbência recíproca, custas processuais pro rata. Condenou ainda, cada polo ao pagamento do polo contrário referente a honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, com fulcro ao art. 20, §3º, do CPC, ficando compensados o valores nos termos da Súmula 306, do STJ.
Sentença não sujeita ao reexame necessário, eis que não excede o valor disposto no art. 475, §2º, do CPC.
A autora apresentou recurso de apelação, questionando, tão-somente, quanto aos lucros cessantes requeridos e não concedidos em primeiro grau. Afirma que a r. sentença laborou com equívoco ao aduzir que a apelante não comprovou estar o bem locado no período em que esteve para reparos.
Assim argumentou: "Ora, realmente difícil se torna a comprovação de que durante este tempo o veículo estava locado, pois se sabe que na maioria das vezes os veículos são procurados para locação apenas no momento em que as pessoas realmente necessitam, raras vezes há um pedido de locação com agendamento de data." (fl.124)
Ainda: "Desta forma, em não dispondo do veículo, já que se encontrava para reparos, por certo a Recorrente deixou de auferir lucro, pois não poderia sequer oferecer algo de que não dispunha daquele momento."(fl. 124).
Diante do exposto, pleiteia a recorrente para que a condenação abranja, também, a indenização por lucros cessantes, bem como para que a verba honorária não seja compensada.
Devidamente intimado, o município de Rio Negrinho, apresentou suas contrarrazões às fls. 134/139.
É o relatório.
VOTO
Cuida-se de ação reparatória decorrente de acidente de trânsito, em que busca a requerente o ressarcimento material de seu automóvel mais lucros cessantes contra o município de Rio Negrinho e seu agente Antonio José da Silva. Alega a autora que um caminhão de propriedade da Municipalidade – sendo conduzido pelo segundo réu -, atingiu uma fiação elétrica e veio a derrubar um poste de luz sobre o automóvel de sua propriedade.
Nestes termos ajuizou a presente ação de responsabilidade civil, pleiteando, para tanto, o ressarcimento material dos prejuízos por ela sofrido.
Apenas para mera elucidação, acerca da responsabilidade civil, pode-se dizer que "Hoje a responsabilidade objetiva é a regra no país, acatada como padrão a teoria do risco administrativo. Entretanto, doutrina e jurisprudência admitem ser possível compatibilizá-la com a responsabilidade subjetiva, nos casos de danos decorrentes de atos omissivos, seguindo, nesse caso, a teoria da culpa do serviço. Portanto, atualmente subsistem duas teorias de forma harmônica, apesar de preferencialmente, em razão da proteção à vitima, reconhecer-se a teoria objetiva." (MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 4. Ed. Niterói: Impetus, 2010, p. 878).
O art. 37, §6º da CF/88 traz norma de procedimento:
"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
Nas palavras de Hely Lopes Meirelles: "O exame desse dispositivo estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão."(Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 622).
Seguindo tal diretiva, o CC de 2002 estabelece regra análoga em seu art. 43, registrando que "pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, a culpa ou dolo."
Destarte, em que pese esclarecimentos acerca da responsabilidade civil objetiva da Administração pelos danos causados por seus agentes, convém esclarecer que, in casu, assentada está a questão relativa à responsabilidade civil, voltando-se o assunto somente sobre a reparação pelos eventuais lucros cessantes, sobre o qual pugna a recorrente.
Logo, o art. 402, do CC, dispõe sobre a matéria:
"Art. 402. Salvo exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar."
A indenização por lucros cessantes, na exata definição de Washington de Barros Monteiro seria:
“Lucro cessante é o que ele razoavelmente deixou de auferir, em virtude do inadimplemento do devedor (quantum lucrari potui)” (in Curso de Direito Civil, vol. IV, 25ª ed., Saraiva, pág. 334).
Igualmente, o insigne jurista Pontes de Miranda salienta que para que ocorra tal direito “a título de perdas e danos, deve-se comprovar haver, com certeza, algo a ganhar, uma vez que só se perde o que se deixa de ganhar”. (Tratado de Direito Privado, t. XXV, p. 23).
Na jurisprudência diferente não é o seu conceito:
"O lucro cessante consiste na frustração do crescimento patrimonial alheio, ou seja, o ganho patrimonial que a vítima poderia auferir, mas não o fez graças à lesão sofrida." (STJ, Resp 440.500, Min. João Otávio, j. 23.10.07, DJU 13.11.07).
Portanto, traduz-se os lucros cessantes como uma indenização a título de danos materiais, segundo a qual são devidos quando demonstrado que, efetivamente, deixou de auferir algo, em razão de atitude do agente causador do prejuízo. Para sua fixação, deve haver prova cabal para tanto, ou seja, deve-se comprovar quanto, efetivamente, deixou de auferir em razão do acidente ocorrido.
É precedente do Superior Tribunal de Justiça:
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AMPLIAÇÃO DE PARQUE INDUSTRIAL COM RECURSOS DO FCO (FUNDO CONSTITUCIONAL DO CENTRO-OESTE) E DO BNDES (BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL). AUSÊNCIA DE REPASSE DOS RECURSOS PELO BANCO RÉU, AGENTE FINANCEIRO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DOS LUCROS CESSANTES, QUE NÃO PODEM SER CARACTERIZADOS COMO DANOS HIPOTÉTICOS E SEM SUPORTE NA REALIDADE CONCRETA EM EXAME.
I - Correspondem os lucros cessantes a tudo aquilo que o lesado razoavelmente deixou de lucrar, ficando condicionado, portanto, a uma probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos. A condenação a esse título pressupõe a existência de previsão objetiva de ganhos na data do inadimplemento da obrigação pelo devedor. No caso, os lucros alegados decorrem de previsões baseadas em suposta rentabilidade de uma atividade empresarial que nem mesmo se iniciou. Assim sendo, não se pode deferir reparação por lucros cessantes se estes, em casos como o dos autos, configuram-se como dano hipotético, sem suporte na realidade em exame, da qual não se pode ter a previsão razoável e objetiva de lucro, aferível a partir de parâmetro anterior e concreto capaz de configurar a potencialidade de lucro.
II - Recurso Especial parcialmente provido. (REsp 846455/MS, Rel. Ministro Castro Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. em 10/03/2009, DJe 22/04/2009).
Assim sendo, os lucros cessantes somente restam caracterizados quando há o prejuízo relativo ao patrimônio da pessoa:
"Claro está que o dano emergente e os lucros cessantes devem ser devidamente comprovados na ação indenizatória ajuizada contra o agente causador do dano, sendo de bom alvitre exortar os magistrados a impedirem que vítimas menos escrupulosas incentivadoras da famigerada "indústria da indenização", tenham êxito em pleitos absurdos, sem base real, formulados com nítido propósito, não de buscar ressarcimento, mas de obter lucro abusivo e escorchante." (GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 47).
Neste desiderato, analisando-se situação em concreto, resta evidente que não houve, efetivamente, provas de lucros cessantes que deveriam ser indenizados.
É que, em que pese seja incontroverso nos autos que o veículo de propriedade da apelante ficou por alguns dias parado para o respectivo conserto; não restou comprovado, de fato, que a empresa locadora deixou de lucrar com aquele bem.
Pelo que se sabe, aliás, uma empresa locadora de veículos automotores jamais possui apenas um automóvel em disposição para locação e, evidentemente, não é sempre que se tem toda a frota em uso.
O que seria de fácil comprovação: bastaria juntar declaração de eventual promitente locatário, mencionando a impossibilidade de se fazer negócio diante da indisponibilidade de carros.
Assim, nos moldes do art. 333, I, do CPC, seria ônus da parte autora comprovar os verdadeiros prejuízos causados pelo tempo em que o veículo de sua propriedade esteve parado. Meras alegações não são suficientes para ensejar a reparação por lucros cessantes. É que estes devem estar verdadeiramente provados: o que não restou evidenciado nos autos.
Conforme corretamente decidiu a magistrada de primeiro grau:
"No caso dos autos, o dever de indenizar a parte autora pela perda de uma chance não se faz devido, uma vez que não restaram provadas nos autos (sequer conjecturadas na exordial, diga-se) as probabilidades reais de atingimento, pelo autor desta ação, do resultado esperado. Realmente, não há indicativo algum de que o veículo que sofreu os danos em face da queda do poste de luz estaria locado por outras pessoas durante o todo o período em que esteve resguardado para os reparos mecânicos.
Situação diversa seria aquela, por exemplo, em que uma empresa que realiza diariamente transportes coletivos de passageiros ou mesmo transporte de cargas. Nestas situações, os prejuízos causados pelo tempo que os veículos não podem transitar é presumida, até mesmo porque se tratam de serviços essenciais à população.
Com efeito, não se tem notícias nos autos de qual seria a frota de veículos disponíveis para a locação da parte autora e se no período em que o carro ficou indisponível por conta dos consertos deixou de perder algum aluguel. Tal prova era perfeitamente possível, bastando que juntasse aos autos documentação do DETRAN expondo os veículos registrados em seu nome e os contratos escritos com os locatários, medida que se sabe que a autora tem por praxe tomar, já que o contrato com Martin Harald Rokpe acompanhou a exordial.
Na verdade, os elementos dos autos apontam em sentido contrário, já que o sinistro se deu no dia 10 de junho e a parte autora apenas iniciou a pesquisa de preços para reparos no dia 15 do mesmo mês, consoante data dos orçamentos, sendo que neste período não houve qualquer feriado municipal ou nacional. Dada a pouca pressa do demandante, não há como saber que dia o veículo efetivamente adentrou nas dependências da oficina Latarias Alquini.
A prova da perda da chance, neste caso, é indubitavelmente fraca." (fls. 116/117).
Portanto, "Não havendo prova apta e segura da ocorrência concreta de prejuízo, não faz jus empresa locadora de veículos aos lucros cessantes decorrentes do período em que o veículo deixou de ser locado. Mera probabilidade não traduz a segurança necessária para configuração dos lucros cessantes [...]." (TJRS, AC n. 70002557569, Décima Quinta Câmara Cível, rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel, j. em 15-10-03).
Esta Corte Catarinense não diverge do posicionamento:
"APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGUROS CUMULADA COM INDENIZAÇÃO – VEÍCULO DE LOCAÇÃO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – PERDA TOTAL – NEGATIVA NO PAGAMENTO INDENIZATÓRIO – QUEBRA DO CONTRATO – MÁ-FÉ NAS DECLARAÇÕES DO SEGURADO – DESTINAÇÃO DO BEM EM SERVIÇO DIVERSO DO PACTUADO – MÍNGUA DE PROVAS SOBRE A EXCLUDENTE – INTENÇÃO DOLOSA INEXISTENTE – OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR QUE SUBSISTE – LUCROS CESSANTES – FALTA DE COMPROVAÇÃO – MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – VERBA ADEQUADAMENTE ARBITRADA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS DESPROVIDOS
Subsiste o dever da seguradora em arcar com o pagamento da apólice pela perda total do veículo envolvido em acidente de trânsito quando não há comprovação da má-fé do segurado à época da contratação.
Para que haja o dever de indenizar os lucros cessantes deve o requerente fazer prova apta e segura do prejuízo concretamente experimentado, porquanto mera probabilidade não o configura.
Na fixação dos honorários advocatícios, consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial, o magistrado deverá avaliar, efetivamente, o trabalho realizado pelo advogado, considerando o grau de zelo profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza, a importância da causa e o tempo exigido para seu serviço." (AC n. 2007.007409-9, rel. Des. Fernando Carioni, de Joaçaba).
Por fim, sem a alteração do julgamento, e diante da sucumbência recíproca em partes iguais, os honorários advocatícios devem ser compensados entre si, conforme Súmula n. 306, do STJ:
"Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte".
Diante do exposto, mantém-se incólume a sentença vergastada, e por consequência, nega-se provimento ao recurso.
DECISÃO
Ante o exposto, por votação unânime, nega-se provimento ao recurso.
O julgamento, realizado no dia 15 de março de 2011, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, com voto, e dele participaram o Exmo. Sr. Des. Vanderlei Romer e o Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto.
Florianópolis, 16 de março de 2011.
Sérgio Roberto Baasch Luz
RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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